Resenha - Nós


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Livro: Nós

Autor: Ievgeny Zamiátin

Editora: Aleph

Páginas: 344

Gênero: Distopia

Sinopse: Nós é um romance distópico escrito entre 1920 e 1921 pelo escritor russo Yevgeny Zamyátin. A história narra as impressões de um cientista sobre o mundo em que vive, uma sociedade aparentemente perfeita, mas opressora, e seus conflitos ao perceber as imperfeições dele, ao travar contato com um grupo opositor que luta contra o 'Benfeitor', regente supremo da nação. O livro só adentrou legalmente a pátria-mãe do autor em 1988, com as políticas de abertura do regime soviético, por estar proibido na então União Soviética devido à censura imperante no país.

Quando li sobre o "pai das distopias", fiquei curioso para saber o que haveria de tão interessante no livro a ponto de a Aleph produzir um trabalho gráfico de alta qualidade para este volume de "Nós". Lendo o livro, entendo o porquê. Ele é um marco na literatura de ficção por diversos motivos, que não cabem nesta pequena resenha, então vou elucidar apenas alguns pontos que achei interessantes no decorrer da história.

É uma história rápida, que não vem dotada de artifícios textuais muito sofisticados, mas que cumpre muitíssimo bem o seu papel de fazer pensar. O livro foi concebido em uma época conturbada na nação russa (Revolução Russa, 1917), e foi proibido devido às ideologias expressas na sociedade que é descrita na trama. Na história, tudo gira em torno do Estado Único, que é o órgão mantenedor do poder e da ordem, através de uma mão de ferro que inibe qualquer tipo de individualidade. Segundo os preceitos da felicidade ideal, a individualidade foi o mal que quase levou a raça humana à destruição (numa guerra que ocorreu duzentos anos antes dos eventos narrados no livro, levando à extinção da população mundial em quase sua totalidade).Por esse motivo, eles precisavam de um Benfeitor, um homem – que seria visto como um deus – guiado pela razão e que seria capaz de transformar o mundo através da lógica. Portanto, as pessoas perderam seus nomes e são identificadas através de códigos. D-503 é o personagem principal da trama, que narra todos os acontecimentos através da sua ótica. Ele é um ser que vive em perfeita harmonia com o Estado Único e também um dos principais construtores da "Integral", uma nave criada com o propósito de levar o modo correto e perfeito de se viver até as estrelas, na esperança de que outras civilizações alcancem o ponto máximo de suas existências.

“Eu sou D-503, o construtor da “Integral”, apenas mais um dos matemáticos do Estado Único. Minha pena, habituada às cifras, não tem o poder de criar músicas com assonâncias e rimas. Apenas tentarei registrar aquilo que vejo, o que penso – ou, mais exatamente, o que nós pensamos (precisamente: nós, e “Nós” será o título das minhas anotações). Mas já que essas notas serão derivadas de nossas vidas, da vida matematicamente perfeita do Estado Único, então, para além da minha vontade, acaso não serão por si mesmas um poema? – sim, acredito e sei que serão.” (Pág. 17)

Através dos fatos narrados, podemos ver como a perspectiva do personagem vai se alterando conforme ele percebe as rédeas do regime totalitário e começa a ter vislumbres de imaginação que o fazem se sentir como um doente, uma pessoa incapaz de pensar como o grupo. Esses problemas se intensificam quando ele se vê diante de algo que pode mudar completamente a forma de se viver, destruindo o ideal de uma sociedade como um único organismo que trabalha em prol do Benfeitor. 

“Desde então se passaram quase 24 horas, tudo dentro de mim se sedimentou um pouco. Todavia, é extraordinariamente difícil dar uma descrição sequer aproximada. É como se dentro da minha cabeça uma bomba houvesse explodido: bocas abertas, asas gritos, folhas palavras, pedras – lado a lado, amontoados, uma atrás do outro...
Lembro-me de que a primeira coisa a me passar pela cabeça foi: “Depressa, corra de volta”. Porque estava claro para mim: enquanto eu estava lá, esperando nos corredores, de alguma maneira eles haviam destruído o Muro Verde, e tudo o que havia lá se precipitara e invadira nossa cidade, até agora purificada desse mundo inferior.” (Pág. 209)

Dotado de uma escrita ágil e com tiradas filosóficas, Zamiátin nos faz mergulhar nessa sociedade de opressão, controle e sem privacidade. Esse romance inspirou outras distopias que surgiram, como Admirável Mundo Novo, Laranja Mecânica, 1984... e ainda é perceptível a inspiração causada em obras que fogem do campo distópico e pisam mais no campo científico, como as do autor Isaac Asimov.

Num livro repleto de críticas sociais e, mesmo sem querer, vislumbres da nossa sociedade atual, Zamiátin prende o leitor nas páginas numa leitura que termina em um piscar de olhos, não muito rebuscada e que instiga do início ao fim. Recomendo muito a leitura e, posteriormente, a leitura dos livros inspirados por essa obra.


Jefferson Lemos

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