Resenha - Memórias do subsolo


.

Livro: Memorias do Subsolo

Autor: Fiódor Dostoiévski

Editora: Editora 34

Páginas: 152

Gênero: Romance

Sinopse: Escrito na cabeceira de morte de sua primeira mulher, numa situação de aguda necessidade financeira, 'Memórias do subsolo' condensa um dos momentos mais importantes da literatura ocidental, reunindo vários temas que reaparecerão mais tarde nos últimos grandes romances do escritor russo. Aqui ressoa a voz do 'homem do subsolo', o personagem-narrador que, à força de paradoxos, investe ferozmente contra tudo e contra todos- contra a ciência e contra a superstição, contra o progresso e contra o atraso, contra a razão e a desrazão-; mas investe, acima de tudo, contra o solo da própria consciência, criando uma narrativa ímpar, de altíssima voltagem poética, que se afirma e se nega a si mesma sucessivamente. Não é por acaso que muitos acabaram vendo neste livro uma prefiguração das ideias de Freud acerca do inconsciente. O próprio Nietzsche, ao lê-lo pela primeira vez, escreveu a um amigo- 'A voz do sangue (como denominá-lo de outro modo?) Fez-se ouvir de imediato e minha alegria não teve limites'.

O livro, com cerca de 150 páginas (a depender da edição) é dividido em duas partes, é realmente muito pequeno quando comparado ao tamanho de outras obras-primas de Dostoiévski. A primeira parte é intitulada "O Subsolo", contendo 11 capítulos; a segunda parte, "A Propósito da Neve Derretida", possui 10 capítulos.

A primeira parte do livro Dostoiévski tem um teor bastante filosófico e explora ideias que aparecem frequentemente em suas obras. São cinquenta páginas de puro desabafo, contradições e uma busca incansável do personagem pelo seu autoconhecimento. O homem do subsolo (como ele mesmo se intitula) um homem amargurado e mal resolvido que na sua misantropia não faz mal a ninguém a não ser a si mesmo. Esse homem esmagado pela sociedade oposto ao ‘’Homem de Ação’’, é consumido pela sua compulsão de pensar e de se interiorizar. Homem subterrâneo que é, precisa teorizar e raciocinar em excesso sobre a vida para poder suportá-la. É o típico homem que possui muito inteligência e pouca potência. Grande parte da filosofia de Friedrich Nietzsche pode ser deduzida dessa obra. Não é à toa que o filósofo alemão tenha se interessado tanto nessa obra.

O subsolo aparece sendo como um subconsciente humano. É no subsolo que se encontra pensamentos e ideias que queremos esconder de todos, até de nós mesmos, e são esses pensamentos que comandam nossos atos.

"Todo homem tem algumas lembranças que ele não conta a todo mundo, mas apenas a seus amigos. Ele tem outras lembranças que ele não revelaria nem mesmo para seus amigos, mas apenas para ele mesmo, e faz isso em segredo. Mas ainda há outras lembranças em que o homem tem medo de contar até a ele mesmo, e todo homem decente tem um considerável número dessas coisas guardadas bem no fundo. Alguém até poderia dizer que, quanto mais decente é o homem, maior o número dessas coisas em sua mente."


Na segunda parte, ‘A Propósito da Neve Molhada’ há três episódios que relatam de uma forma concreta como o nosso ‘’homem do subsolo’’ é encurralado socialmente pelos discursos e ações de uma sociedade despótica. Nessa parte do livro, a narrativa apresenta uma visão da consciência do protagonista, um dos melhores exemplos de como se usar o fluxo de consciência de um personagem. 

Memórias do Subsolo não é uma obra qualquer. É necessário muita concentração, dedicação e persistência para ler. Digo isso por experiência própria, comprei, pois havia me interessado por sua sinopse e estava bem barato. Fui tentar ler uma primeira vez e não consegui terminar nem a primeira parte. Parecia tudo muito confuso, as coisas não estavam sendo digeridas facilmente, parecia que eu estava lendo em grego. Uns anos depois, bem mais amadurecido, peguei para tentar lê-lo novamente, dessa vez me preocupei mais com a concentração na hora da leitura. E fluiu de forma maravilhosa, foi a primeira obra de Dostoiévski que eu li e logo após terminar ela, me apaixonei pelo autor e fui atrás de mais.

Dostoiévski nos leva a uma viagem nos recônditos da alma humana. Iniciamos o itinerário certo que a personagem nada tem a ver conosco. Para alguns, isso sim é verdade. Aqueles que olham em seus espelhos tais quais Narcisos. Para outros, a viagem é cheia de percalços, desconfortos. Porém, sabemos de nós mais um pouco graças a esse gênio supremo da literatura mundial. Tirar a máscara e olhar para o espelho que ela reflete pode tornar-nos outra pessoa ou reconhecer quem somos sem a censura moralista do bem e do mal. Dostoiévski não criou um personagem, apenas. Seu protagonista anônimo é a voz e a representação de diversas outras mentes inquietas que não conseguem encontrar seu lugar neste universo e que ainda vivem no mundo subterrâneo e particular de suas emoções.


"O fim dos fins, meus senhores: o melhor é não fazer nada! O melhor é a inércia consciente! Pois bem, viva o subsolo! Embora eu tenha dito realmente que invejo o homem normal até a derradeira gota da minha bílis, não quero ser ele, nas condições em que o vejo (embora não cesse de invejá-lo. Não, não, em todo caso, o subsolo é mais vantajoso!) Ali, pelo menos, se pode… mas estou mentindo agora também. Minto porque eu mesmo sei, como dois e dois, que o melhor não é o subsolo, mas algo diverso, absolutamente diverso, pelo qual anseio, mas que de modo nenhum hei de encontrar! Ao diabo o subsolo!"

Gabriel Suela

Your Reply